terça-feira, 5 de novembro de 2019

Palavras com Caminhos...


Caminho sozinha na certeza porém que a todos encontro no caminho. Começo por procurar o trilho para não me desviar muito ou perder. Já me perdi muitas vezes e apesar de não ter sido mau de todo, caminhar sem destino e sem os passos guiados, confesso que hoje prefiro seguir o trilho, pelo menos estes que a natureza nos oferece e outros se asseguraram que o farás seguro também. 

Caminho de encontro ao que hoje sou, não deixando fugir a inocência da criança que fui e trazendo-a comigo a cada momento em que ainda me deslumbro... e deslumbro-me tanto ainda. No caminho vão chegando um por um... Encontro a minha irmã que solta uma gargalhada quando me intriga se aquelas castanhas que apanhei já estarão boas para comer e se para as cozinhar será preciso mais alguma coisa para além da água e do sal... Continuo o caminho e nos únicos sons indecifráveis que ouço, lembro os sobrinhos e a aventura que seria fazer estas caminhadas com eles, interrogo-me se não é este o tempo de o fazer, antes que cresçam demais... Podemos  tentar descobrir o nome das árvores que para nós ainda não têm nome porque não as descobrimos juntos. Sorrio por isso. Isso, e a eminência de ter um encontro imediato com um animal selvagem e pouco ou nada saber sobre a forma de agir para além de me fazer de morta e esperar que ele apenas queira um abraço ou uma festa, ou coisa nenhuma e espere que o ignore, como aliás, eu pretendo também. 

Sinto a chuva que cai e lembro-me da amiga a quem disseram que não era feita de açúcar num passeio à chuva, num país que não conhecia. Paro um pouco e observo dois pássaros brincalhões que me acompanham há horas (ou pelo menos eu acho que sim) e recordo todos os que já partiram e que já não estão por aqui, sorrio de novo. Sei-os comigo. 

Continuo o caminho por um trilho difícil que começa a dizer-me que talvez me tivesse afastado do principal. Volto para trás e dou uma gargalhada por continuar a deixar que a minha teimosia me leve por caminhos complicados. Nos passos que se querem firmes por vezes tropeço e tenho a memória do pai que me dá a mão para que eu não caia e lembro que tenho de lhe dizer mais vezes que ele é e será sempre um dos meus melhores amigos. Mesmo quando é teimoso e não me dá razão. Sigo deslumbrada com a chuva que me cai em cima e todas as cores do Outono, com o cheiro da terra, com os medronheiros, as bolotas caídas no chão e os cogumelos que não consigo identificar. Penso na minha mãe, no quanto gosto dela e nas conversas que ainda precisamos de ter, nem sempre lhe contei tudo, mas neste caminho recordo o que ainda preciso que ela saiba. Sei que a vida nos dará esse tempo e volto a sorrir. 

Embrenho-me pelo bosque e apetece-me cantar, sinto comigo todos aqueles que me acompanham ao ritmo do som pulsante dos dias felizes, são tantos... Os pássaros brincalhões continuam comigo e no meio da chuva aparece uma borboleta vinda não sei de onde que insiste em caminhar ao meu lado. Vejo a minha Mestre e o meu coração enche-se de Amor. Por vezes desanimo porque apetecia-me um trilho maior, mas nesta altura do ano fica escuro cedo e ficar perdida não está nos planos, encolho os ombros e resigno-me com alegria, ao caminho escolhido. Agora a floresta funde-se com o rio e todos os cheiros do Outono impregnam-me a alma. Sou feliz e sei. A chuva dá tréguas e o sol aparece, deixando aparecer também, um arco-íris desenhado que reflete na água e faz dois. Pergunto-me quão abençoados somos sem dar conta... 

Regressa a chuva e com ela uma subida, seguida de um caminho rural com alguma lama, escorrego e sujo as botas... Penso nas minhas amigas que estão a experimentar a maternidade, a escorregar e a levantar da lama os seus rebentos, a escalar as montanhas de emoções que ainda não dominam e sei que vai correr tudo bem. Que também elas serão capazes de subir montanhas e de ajudar nas quedas, não evitando que caiam e se sujem de lama. Sabendo rir das imperfeições e serem o melhor que conseguem, sem culpas. 

Cheguei a uma pequena povoação, achava que finalmente iria encontrar as pessoas, mas apenas me cruzei com meia dúzia de cães que guardavam as casas e umas cabras que pastavam e olhavam para mim à falta de algo melhor para fazer. Ouvi uma voz interior que me disse que havia ainda tantos sonhos para realizar e que havia quem já não o pudesse fazer. Não acreditei. Abracei por momentos aqueles que se achavam nessa condição e disse-lhes que os sonhos eram a força de que precisavam para continuarem a lutar e já agora, a sonhar. 

Voltei ao bosque e a mim. Caminho sozinha, mas comigo caminham todos vocês. Grata à vida por não me deixar só, mesmo quando lhe peço muito. Grata a mim por saber estar comigo. Grata a vocês por me acompanharem sempre. Namasté!

Note to self: antes de sair de casa, confirmar que tens sempre uma caneta na mala.